Grandes conhecimentos da humanidade são resultantes da observação dos fenômenos cíclicos que ocorrem na natureza. Foi deste modo que o ser humano criou diversas formas diferentes de contar o tempo, ao se conscientizar sobre as repetições dos períodos de dia e noite, de lunações e das estações do ano, por exemplo.
As plantas são um grande exemplo de interpretação e sincronia com o tempo regido pela natureza. Muitas delas são conhecidas desde a antiguidade por seus ciclos de abertura e fechamento das flores e/ou folhas, em horários específicos do dia, relacionados diretamente com a luminosidade à qual estão expostas.
Um exemplo popular de planta nativa que é conhecida por sua precisão ao abrir as pétalas no mesmo horário, é a espécie Portulaca grandiflora, que recebe o nome popular de onze-horas. Sua floração ocorre principalmente nos meses mais quentes e ensolarados do ano e as flores se abrem pela manhã e se fecham no final do dia. Por este hábito, em diversas partes do mundo, o nome popular dessa planta está associado ao momento de abertura de suas flores. Em inglês ela também é chamada de Sun Rose (tradução: rosa do sol"). Na Índia, seu nome significa "flor-das-nove-horas", enquanto no Vietnã, é chamado "flor-das-dez-horas".
Acima: A planta onze-horas, que recebe este nome popular no Brasil em função do horário de abertura de suas flores.
No século IV a.C., Androstenes de Thásos (almirante de Alexandre, o Grande) foi o primeiro a relatar um ritmo circadiano, ao observar que as folhas do tamarindo (Tamarindus indica) se erguem e abrem de dia, enquanto de noite elas se fecham. Seguiram-se observações semelhantes realizadas por Plínio, o Velho, e pelo bispo alemão do século XIII, Albertus Magnus.
O primeiro experimento cronobiológico (*) da história realizado com plantas foi em 1729, pelo geofísico e astrônomo francês Jean-Jacques d'Ortous de Mairan, que manteve um exemplar da espécie Mimosa pudica (a popular dormideira) sob constante escuridão dentro de um armário. Mesmo na ausência da luz solar, a planta apresentou a abertura e fechamento diário das folhas, o que hoje é explicado pela existência de "relógios" internos que impulsionam movimentos rítmicos das plantas. Porém, esse conhecimento só seria desenvolvido muito tempo depois, e na época, a conclusão foi que a planta possuía a capacidade de perceber e sentir o sol, mesmo sem ter contato direto.
O trabalho de Mairan permaneceu décadas sem ser comentado pela comunidade científica até que três novos pesquisadores voltaram a investigaram o fenômeno: Sir John Hill, em 1757 demonstrou ritmos da planta Glycine abrus, Henri-Louis Duhamel du Monceau, que repetiu o experimento de Mairan, ampliando as observações da Mimosa pudica para condições de temperatura, e em 1759, o médico e botânico alemão Johann Gottfried Zinn, que estudou o movimento das folhas da planta Mimosa virgata em condições sem luz e diante de flutuações de temperatura e umidade.
O famoso naturalista e botânico sueco Carolus Linnaeus, conhecido no Brasil como Carlos Lineu, foi o primeiro a classificar as plantas, levando em consideração observações relacionadas a esses ritmos. Linnaeus foi o pesquisador que instituiu o sistema de classificação e nomeação dos seres vivos utilizado até os dias atuais, sendo conhecido como pai da Taxonomia.
Linnaeus teve a oportunidade de estudar os fenômenos relacionados aos ciclos das plantas quando nomeado professor de Medicina da Universidade de Uppala (Suécia) e responsável pelo Jardim Botânico da Universidade de Uppala, em 1741. Por cerca de 15 anos, Linnaeus estudou as plantas dessa coleção viva em longas observações que iam das 4 da manhã até às dez da noite.
Ele foi o primeiro a propor que o tempo poderia ser medido a partir do movimento das plantas, observando o ritmo de certas espécies ao abrirem e fecharem suas flores. Seus estudos foram publicados em “Philosophia Botanica”, que compila as características de abertura de quarenta e seis plantas em momentos específicos do dia. Linnaeus propôs que essas plantas fossem organizadas em uma sequência de abertura das flores ao longo do dia, para a composição de um relógio floral (conceito publicado em “Horologium Florae” do compêndio “Philosophia Botanica”). Linnaeus publicou novos estudos sobre o tema, como “Calendarium florae” - onde relatou as mudanças sazonais na natureza e no jardim botânico em 1755, “Somnus plantarum” (o Sono das Plantas) onde descreveu diferentes plantas que se fecham durante a noite, e “Vernatio arborum” - sobre o tempo de abertura de ramos e folhas em diferentes árvores e arbustos.
Acima: páginas da publicação "Philosophia Botanica", de 1751, contendo ilustrações de algumas das plantas estudadas por Linnaeus.
A proposta do relógio floral de Linnaeus não era de carácter ornamental mas sim científica, para comprovar a regularidade de ritmos na vida das plantas, mas principalmente no início do século XIX, vários jardins botânicos realizaram o projeto do relógio floral com diferentes graus de sucesso: embora muitas plantas tenham um forte ritmo circadiano, apresentando tempos bastante regulares, seus tempos de floração são diretamente afetados por diversos fatores ambientais como clima, temperatura, umidade, sazonalidade, latitude (que influencia a incidência de luz).
É importante salientar que os horários (de abertura das flores) registrados por Linnaeus foram todos baseados em seus estudos e observações em Uppsala, na Suécia. Em condições diferentes, nas tentativas realizadas em localidades diferentes, mesmo pertencendo à mesma espécie, as plantas apresentaram um outro padrão com a mudança de latitude - fato este desconhecido na ocasião.
Entre as plantas estudadas por Linnaeus e determinadas para indicar horários específicos na composição do relógio floral, estão: papoula (Papaver nudicaule), calêndula (Calendula officinalis), dente-de-leão (Taraxacum officinale), ninféia (Nymphaea alba), chicória (Cichorium intybus), alface (Lactuca sativa), cerragem (Sonchus arvensis) e bela-manhã (Convolvulus tricolor) entre tantas outras.
Acima: Detalhe da tabela de horários de abertura e fechamento das flores, observada por Linnaeus em localidades distintas.
Embora o modelo do relógio floral proposto por Linnaeus não traga a precisão tecnológica que hoje se faz presente nos modos como medimos o tempo, seus detalhados estudos permitiram a identificação de diferentes ritmos circadianos, tanto de espécies que florescem de dia, como também de outras plantas cuja abertura das flores é noturna.
Esses diferentes tempos permitem um fornecimento de néctar e pólen contínuo a insetos generalistas, assim como flores que se abrem à noite também estão sincronizadas com o ritmo e ciclo de vida de seus agentes polinizadores - que também apresentam hábitos noturnos, como mariposas e morcegos.
Ao prestarmos mais atenção aos pequenos sinais que a natureza permanentemente repete em seus sábios ciclos, estaremos nos integrando mais à sua harmonia - tema que sempre motivou o ser humano na busca pela compreensão de todos os fenômenos que envolvem vida e coexistência.
Acima, da esquerda para a direita: calêndula (Calendula officinalis), ninféia (Nymphaea alba), Hemerocallis (Hemerocallis lilioasphodelus), chicória (Cichorium intybus), papoula-da-Islândia (Papaver nudicaule) e dente-de-leão (Taraxacum officinale) - exemplos de plantas cujos horários de abertura e fechamento das flores foram estudadas por Linnaeus.
Por: Patrícia Dijigow
(*) A cronobiologia estuda os fenômenos biológicos recorrentes no tempo que ocorrem uma periodicidade determinada, podendo ou não ter uma correspondência temporal com ciclos ambientais, como ciclo dia e noite, os ciclos de marés. Esses fenômenos são chamados de ritmos biológicos e quando ocorrem com uma periodicidade próxima a 24 horas são chamados de circadianos.
Referência bibliográfica:
GARDINER, B.G. - The Linnean. Some Aspects of Linnaeus' Life - 4. Linnaeus’ Floral Clock. 4f. The Linnean Society of London, Londres. 2007. Disponível em:
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